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Sabemos viver?

25/07/2018

Sabemos viver?

A notícia da morte do Sergio Marchionne, que estava em coma e na UTI de uma clínica da Suíça, é de cortar o coração até dos mais duros. O italiano, diretor executivo da FCA – Fiat Chrysler Automobiles – e da Ferrari. Nas suas mãos, a equipe passou por uma reestruturação depois do tufão Alonso, aquele que devasta times por onde passa, e tornou-se, novamente candidata ao título nas últimas temporadas. Ainda que não tenha havido sucesso, e, do jeito que a coisa vai este ano, talvez não seja em 2018 o ano da conquista, não podemos deixar de reconhecer a contribuição de Marchionne à equipe.

Agora, tenta colocar-se no lugar dele enquanto amargava o estado de coma em Zurich: com uma sucessão já encaminhada e pronto para começar a curtir a vida numa merecida aposentadoria, como num feitiço das piores bruxas, ele estava fadado a não viver mais. Esqueça teus planos, tuas ambições, tudo aquilo que você mais ama. “Zéfini”, como diria o personagem da Escolhinha do Professor Raimundo. Que a família dele tenha muita luz e paz para passar por este momento; não é fácil.

No automobilismo temos vários casos assim, de gente que estava fazendo o que amava e, 10 segundos depois, nem ali estava mais. Rindt, Williamson, Gilles Villeneuve, Ratzenberger, Greg Moore, Jovy Marcelo, Scott Brayton… A lista é gigantesca, mesmo em se tratando de pilotos que foram pronunciados mortos na pista. Se colocar então quem faleceu no hospital em decorrência dos ferimentos, deve dar um livro. Eles não tiveram segunda chance, não puderam se despedir dos entes queridos – com consciência – e, espera-se, faleceram fazendo aquilo que gostavam.

Para ficar em outro caso de integrante do meio que faria função semelhante à de Marchionne na Ferrari, vocês acham mesmo que o Lauda estaria até hoje na Mercedes exercendo a dupla com Toto Wolff caso Michael Schumacher estivesse em condições aptas de saúde? Um dos dois, Wolff ou Lauda, já teriam espirrado dos boxes da estrela de três pontas. Não chego ao mérito se teria o mesmo desempenho como diretor de equipe que ambos, meu ponto é que Schumacher, hoje preso a uma cama com cuidados diários, estava sendo preparado para isso. Inteligência e rapidez de raciocínio, concorde comigo ou não, o alemão tinha.

Numa outra ponta, como nem tudo são sombras, temos os casos de pilotos que deram a volta por cima. E que senhora volta. Alessandro Zanardi – cujo primeiro nome era inspiração para meu primeiro filho, porém fui vencido – e Billy Monger mostram para nós, diariamente, que em certo ponto nós não sabemos viver na plenitude. Abusando novamente da imaginação do leitor, Zanardi e Monger estavam competindo dentro de suas possibilidades quando, no caso do primeiro, uma rodada com pneus frios o colocou em posição de “T” com Alex Tagliani, e no caso do segundo, um carro com problemas serviu como muro, numa distante 15ª posição.

Zanardi, ou “segura o italiano” na voz de Téo José, conquistou medalhas de ouro e prata em Olimpíadas, além de sempre estar em uma corrida ou outra de turismo em carro adaptado numa forma competitiva. Sempre sorridente, com um astral lá nas nuvens, me deixa um com pouco de vergonha de admitir que sinto preguiça de sair da cama mais cedo em alguns dias devido à preguiça. Se ele, com toda a limitação que tem, pode fazer tudo isso, por que céus eu ou você não podemos acordar uma hora mais cedo e caminhar trinta minutos no quarteirão de casa antes de tomar um café ou banho para ir trabalhar? Olha-te no espelho, rapaz/moça!

Monger, igualmente, é um caso a se acompanhar com carinho. Após o acidente, com o qual a família não tinha condições financeiras de lidar e fez até vaquinha na rede para arcar com os custos, Billy é um show de simpatia por onde passa. De convidado de honra de Lewis Hamilton nos boxes a até testar uma Sauber adaptada este ano, o pequeno herói inglês inventou até o “leggy”: bebe champagne de dentro da prótese, numa adaptação ao “shoey” de Ricciardo. Isto é simplesmente genial. Como genial foi a doação de uma garotinha na vaquinha de 10 libras, com o seguinte dizer: eu sei que não é muito, mais fica aqui meu carinho e torcida para tua recuperação, numa tradução livre do texto.

Caiu um cisco aqui no olho, vou lá limpar…

Ante-ontem, 23/07/2018, Monger e Zanardi se encontraram pela primeira vez. O primeiro de triciclo de competição e o segundo com as próteses. Além do cenário, a significância da foto é linda. É como uma passagem de bastão entre “que homens”, como costumo me referir ao Rogério Elias nos vídeo do canal. Algo do tipo: “boa, moleque! Você entendeu direitinho o que eu quis passar. Daqui algum tempo o tio tem que descansar e será tua vez de mostrar a essa galera toda como é que se vive”.

Porque nós não sabemos o que o futuro em dez minutos nos reserva. Se o leitor leu este texto e este mexeu com você de alguma forma, não se desespere, ainda há tempo. Nas palavras de Mao Tse Tung, “a grande caminhada começa com o primeiro passo”. Se você terá um futuro como a atual situação do Marchionne hoje, quem fica é o legado. Garanto que o legado deixado por Marchionne é muito, muito apreciado.

Por Carlo Zanovello (@NoVacuo)

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Jornalista. Abril, UOL, Yahoo, Estadão, Correio Paulistano.
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