Boa Vida Estilo de Vida Qualidade de Vida

O equilíbrio é a base de tudo

04/07/2018

O equilíbrio é a base de tudo

Eu poderia estar aqui, neste espaço, tecendo toda uma teoria sobre o que acontece com a McLaren e a fase tenebrosa que a equipe inglesa vive nestas últimas etapas. Não o farei, a vida é um pouco mais que automobilismo.
Faz quase dois anos que estou trabalhando pelos lados de cá, na Dinamarca. Pela quantidade recente de reportagens em internet, jornais e, até programas dedicados sobre, na televisão, vocês já devem ter uma ideia de como as coisas funcionam por aqui. Cada um cuida da própria vida, seguindo basicamente as dez regras de Jante. Deixo por conta de vocês uma breve pesquisa no Wikipedia sobre o assunto.

A vida por aqui é, em certo ponto, mais fácil do que no Brasil. A carga de trabalho semanal obviamente ajuda, são 37 horas contra 44 horas praticadas no meu último emprego antes de vir. Vocês não tem ideia do quanto essas sete horas semanais impactam na qualidade de vida. Verdadeiro, também, que houve um investimento ao longo dos anos em infraestrutura e mobilidade o qual sente-se claramente, mesmo em comparação com outros países.

Aarhus a Copenhage

Neste tempo aqui, o primeiro ano foi passado totalmente sem carro. Não pelo dinheiro, porque daria desde o início para encarar um financiamento. Simplesmente, não senti falta. Com distâncias relativamente pequenas, entre 5 e 15 km, ônibus e “tram”, aquele trem elétrico de superfície, fazem sua parte com maestria. Os trens entre as cidades têm horários religiosamente cumpridos, salvo algum problema na linha, o qual raramente acontece. Uma viagem de Aarhus a Copenhage demora três horas e meia, seja de trem ou de balsa. A linha de hidroavião é mais rápida. Porém, custa o triplo. Quer conforto e rapidez, que se pague por isso.

Bike Way

No entanto, o que chama a atenção é a malha de ciclovias do país. Consegue-se cruzar a península toda, cerca de 140 km entre Aarhus e Ringkøbing, apenas utilizando ciclovias. Tudo bem que, em certos pontos, ciclovia e rodovia se confundem, fazendo com que carros e bicicletas dividam faixas. O respeito pela vida aqui se encarrega do resto. Caso eu e você, leitor, desejemos andar lado a lado de bicicleta na estrada conversando, somos, pelas leis de trânsito daqui, considerados um automóvel.

Assim sendo, só poderemos ser ultrapassados caso o motorista que vem atrás tenha total visibilidade e consiga manter 1,5 m de distância entre nós e o carro. Obviamente, quando andamos em grupo de ciclismo, procuramos manter uma fila indiana para não atrapalhar a vida de quem quer e tem condição de andar mais rápido.

Stiv Lov

Dentro da cidade, é um desbunde, com o perdão da expressão. Nunca em minha vida senti-me tão seguro em cima de uma bicicleta quanto aqui. A ordem do menor para o maior vale. Já perdi a conta de quantas vezes eu, como ciclista, tive que parar antes da faixa de pedestres para esperar um cidadão cruzar a rua. Sim, estando sobre uma bicicleta você DEVE dar a vez ao pedestre. Eu simplesmente não consigo imaginar essa situação no centro de São Paulo, ainda que a mesma aconteça durante o dia a dia.

Morar a 5 km do centro leva meros 10 minutos de pedal. É pouco, considerando que de carro o trânsito pode te eixar só esse tempo parado. Além da funcional malha cicloviária, cada ponto de ônibus ou ponto turístico tem um bicicletário. Basta ter consigo uma boa tranca ou corrente que sua tranquilidade está garantida. Nos dias de outono ou inverno, não esqueça das lanternas. E não vale somente aqueles reflexivos: a lanterna tem que gerar luz própria. Uma questão de sobrevivência, já que em dezembro e janeiro o sol se põe por volta das quatro da tarde aqui. Multas para ciclista? Acontece mais por falta de iluminação ou embriaguez, já que o capacete não é obrigatório. Uma das poucas dicotomias deste lindo país.

Depois de um dia no escritório, é só montar em sua bicicleta e sair pedalando até o bar, praia, museu, cinema ou qualquer coisa que o valha. Assim como o sol se põe cedo no inverno, no verão a brincadeira fica boa: entre junho e julho o sol se põe depois das dez da noite. Tecnicamente, durante três dias do verão não há noite, já que o sol não faz um ângulo menor do que 17 graus com o horizonte. Os estudantes agradecem.

Ainda nem preciso comentar o quanto é economizado pela saúde pública quando uma população é mais esportivamente ativa. Aqui, como deveria ser em todo lugar do mundo, o equilíbrio é a base de tudo.

Por Carlo Zanovello (@NoVacuo), da Dinamarca

COMPARTILHE:

Jornalista. Abril, UOL, Yahoo, Estadão, Correio Paulistano.
Comentários