Educação Heroísmo

Obrigado pai!

10/08/2018

Obrigado pai!

Desde pequenino me vi entre aviões e helicópteros, de pequeno a grande porte, no pátio e hangares da extinta VASP em Congonhas, São Paulo. Uma infância entre os Beechcraft King Air, os Boeings 737 e 727, o HS 125 da British Aerospace, o Bell 212, o Bell 206 Jet Ranger e o Sikorsky S-76. Mas, calma, ainda tem mais duas máquinas extraordinárias: o Bell 47J2 e o Bell 204B. Este último, simplesmente, uma versão civil derivada do lendário Bell UH-1 Iroquois ou apenas Huey,  o Sapão, considerado o maior helicóptero da história. E por falar nela, na história, vi e vivi a evolução da aviação de asa rotativa. Um privilégio. Um absoluto privilégio.

E tudo graças ao ‘Seo Simão’, meu pai. Um homem simples, bruto às vezes nas atitudes por conta da época que nasceu e viveu, porém de uma sensibilidade ímpar ao mesmo tempo. Meu pai entrou na aviação quase que por acaso. Um emprego simples, em princípio, para limpar banheiro e asa de avião, no hangar Fontoura, no Campo de Marte (SP). Mas essa oportunidade o tornou em referência técnica, em termos de manutenção, durante anos. Foi um dos melhores. Talvez, o melhor. Porque tinha que se esforçar em dobro por conta de sua condição educacional (só possuía o antigo ginasial) e social – já que ‘Seo Simão’ é legítimo representante da raça negra.

Heroísmo único

Nossos pais são heróis. Sempre. Mesmo que por algum tempo, nós, inexperientes, não os vejamos assim. Todavia, aquela sensação de toda criança, até seus 8 anos de idade, de supervalorizar o pai, o colocando em uma redoma sobre um pedestal muito alto é a correta. São heróis, em sua maioria, porque nos amam incondicionalmente. Isso já bastaria. Some-se a isso toda a luta que tiveram para nos educar, para nos manter, para nos preparar para o mundo. Os sacrifícios para nos ajudar. A consideração. O orgulho que têm pela coisas mais simples que fazemos. E a sensação de segurança que nos passam, mesmo em algumas vezes eles mesmos ‘pulando no escuro’ junto conosco.

Evidentemente que toda essa ponderação, descrita acima, não vem de um menino de 8 anos deslumbrado com aviões e helicópteros. O que ainda sou, aliás. Claro que não. Vem de um filho, agora pai, já bem vivido em anos e que entende mais e melhor o heroísmo do ‘Seo Simão’.

Como disse, herói quase todo pai é. Mas o meu tem diploma de herói. Isso mesmo. Ele é herói da cidade de São Paulo por conta do maior salvamento com helicópteros da história do Brasil. Em 1972, no incêndio do edifício Andraus, no centro de São Paulo, meu pai retirou do prédio em chamas 70 pessoas. ‘Seo Simão’ voou, ao lado do comandante Hélio de Abreu Fonseca, o Hiller FH1100 (PP-MAB). Mas era também o responsável técnico do Bell 204B (o PP-ENC), pilotado pelo lendário comandante Souza, que salvou 307 almas.

Os heróis dessa tragédia foram muitos. Muitos homens destemidos e corajosos. Foram dezessete aeronaves no resgate. Mais de 500 pessoas salvas. Muitos pilotos, técnicos (como meu pai), bombeiros e mesmo anônimos que colocaram suas vidas em total risco em prol de absolutos desconhecidos. Merecidamente, todos eles receberam medalhas e reconhecimento da humanidade. Parabéns pai!

Dias e dias

Meu pai envelheceu. Viveu uma vida profissional que nem imaginava. Tem orgulho disso. Mas, a idade começa a lhe tirar a capacidade de se lembrar desse momento único. E, a cada dia, a idade vai lhe tirando outras lembranças. Hoje, o ‘Seo Simão’ é apenas uma sombra daquele homem que eu, ao 8 anos de idade, via levar um Bell 212 no peito para o hangar. Uma sombra daquele protetor inexorável que eu tinha. E prefiro achar que ainda tenho. É meu pai querido. E vou amá-lo até o último segundo e além. E ter orgulho até meu último suspiro.

Obrigado pai!

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Jornalista. Abril, UOL, Yahoo, Estadão, Correio Paulistano.
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