Automobilismo F1

Ascensão e queda: Frank Williams vê sua equipe ruir lentamente

15/06/2018

Ascensão e queda: Frank Williams vê sua equipe ruir lentamente

A este momento do ano, você, prezado leitor, já deve ter reservado cerca de uma hora e meia para assistir ao documentário da equipe/família Williams disponível no Netflix. Se ainda não o fizeste, recomendo. Até espero que o faça antes de continuar a ler o texto – eu sei, o editor do site já fez a publicação por completo. Portanto, apenas leia o resto do texto se você assistiu à peça. Porque o que se segue serão várias referências no melhor estilo “spoiler”.

Desde os idos da década de 70 a Williams está na categoria. Vários títulos, corridas memoráveis, uma infinidade de quilômetros percorridos e, sim, altos e baixos. Não que isso seja uma primazia da equipe inglesa, já que McLaren, Ferrari também os têm repetidamente e outras sucumbem ao longo do tempo – caso de Tyrrell, Ligier e Brabham, só para ficar na mesma década de quando a Williams alçou a categoria máxima.

Quem não se lembra do final dos anos 80, quando a equipe, sem a poderosa Honda de Osamu Goto, teve que fazer um ano sabático com Judd – credo – e, depois 2 anos de aprendizado com a Renault, projetarem os verdadeiros foguetes tecnológicos de 92 e 93. Quando estavam com Judd, a Williams FW12 teve nada menos que quatro pilotos na temporada. Mansell, Patrese, a dupla que voltou em 1992, Martin Brundle e Jean-Louis Schlesser. Fez 20 pontos naquela temporada e terminou o campeonato de construtores em sétimo. Isso no ano seguinte ao título mundial. Imagine que toda essa sequência de ações aconteceu em um espaço de 7 anos.

Convenhamos, pouco tempo.

Em 1997, depois de conquistar títulos com Prost, Hill e Villeneuve, a equipe deixa de usar os motores Renault, que saía pela 2ª vez da categoria e perde Adrian Newey para a McLaren. Faz um campeonato razoável no ano seguinte com motores Mecachrome, parentes do Playlife da Benetton, e acaba com míseros 38 pontos no campeonato, ainda que em 3º lugar. O que se vê daí por diante é uma parceria, tecnicamente muito próspera, com a BMW. São seis anos de algumas vitórias, encobertas ao longo do tempo por uma dominância da Ferrari que só fora vista em 1988 e 1989 com a McLaren.

A parceria com os bávaros acaba em 2005, quando a Williams se vê de frente com a Cosworth, numa transição pré-Toyota em 2007, antes de voltar a usar os motores ingleses em 2010 e 2011. Depois são mais dois anos de Renault, sim, aquela, antes de entrar como cliente da Mercedes até o momento. São SETE trocas de motores em um espaço de 17 anos. Perdões antecipados pela comparação, mas é como se Flamengo, Corinthians ou Palmeiras trocassem de técnico a cada quatro meses. Não se desenvolve um trabalho.

A chegada de Claire Williams no comando da equipe coincidiu com o terceiro lugar no Campeonato de Construtores de 2014. Bottas e Massa estavam guiando o fino e o time técnico era bom. Depois de dois campeonatos como terceira força, o time degringolou. Perdeu o lugar para Red Bull e Force India, trocou o comando técnico algumas vezes, inclusive tendo que absorver Paddy Lowe como parte do acordo para liberar Bottas para a Mercedes. Na metade da temporada passada, no GP da Hungria, anunciavam que estavam abandonando o desenvolvimento do carro para focar em 2018.

Fazem a opção por continuar com Stroll vendendo ações para o pai do piloto, assinam com Sirotkin pelo triplo do valor que Kubica trazia à equipe e, hoje, após o treino do GP do Canadá (semana passada), mal consegue andar na frente da Sauber. Basta olhar a classificação do grid, com Leclerc em 13º. Leclerc, um estreante numa equipe semi-falida ao final do ano passado, que foi salva pelo grupo FCA por meio da Alfa Romeo. No GP de Mônaco, a equipe não deixa o carro preparado dentro do tempo permitido no grid, sofre um “stop and go” e quase toma bandeira preta ao soprar ar nos freios do carro do russo durante a punição.

Uma verdadeira bagunça.

O problema não está em Claire. Falta a ela um parceiro técnico que consiga fazer o papel de Patrick Head nos anos 80, 90 e começo dos anos 2000. A falta de comando na fábrica e na área de projetistas é latente. Um outro registro histórico: a Williams foi patrocinada por alguns anos pela Randstad, uma empresa de RH. Impossível não terem diagnosticado essa dificuldade e não terem agido para suprir essa deficiência. Faltou a promoção de um substituto de Patrick Head, com menos petulância, que fosse reconhecido pelos demais membros da equipe.

Como falado no documentário, Patrick Head era em certo ponto grosseiro, intimidador, porém, muito inteligente. Essa mistura, de alguma forma, trazia resultado, mesmo nas temporadas de baixa da equipe, como no caso da vitória de Maldonado na Espanha. A impressão que é passada pelas imagens das transmissões de dentro dos boxes da equipe é de um misto de apatia com desespero. Paddy Lowe, com seu jeito polido e metódico, não faz sombra ao legado deixado por Head.
Os pontos conquistados pela equipe neste ano foram em decorrência da movimentada prova de Baku.

Stroll, que se deu muito bem lá nas duas vezes que esteve, foi o encarregado da missão. Os ingleses não tem equipamento, material e humano, para fazer com que fiquem entre os dez primeiros com alguma frequência. Notem que, fosse adotado o sistema de pontuação 10-6-4-3-2-1, como era antes da dominância vermelha nos anos 2000, a Williams nem sonharia em pontuar em 2018. Os problemas técnicos vão desde banco até peso na dianteira. É um carro mal nascido em uma temporada crucial, já que a Martini deixará a equipe no final deste ano.

Claire Williams coça a cabeça e tem algumas noites de insônia, porque não vê um futuro bom. Com a saída da atual parceira, qual será a empresa que colocará dinheiro na equipe apostando em uma recuperação? Nas ascensões pós quedas anteriores, sempre havia um Boutsen, Webber, Rosberg ou Barrichello para dar aquela arrumada no carro e buscar uma reação até o final do ano. A conta fechava com os patrocinadores porque a Williams teria o que entregar no ano seguinte, teoricamente. Com Stroll e Sirotkin, tomando tempo de Leclerc, Ericsson e Vandoorne – cada um com suas fraquezas e forças –, não é difícil de se imaginar que tenhamos novamente um carro totalmente azul com alguns poucos patrocinadores como na última temporada de Barrichello na categoria.

O grupo Williams, com vendas de tecnologia para vários setores, vai bem, obrigado. Mas, este grupo não é suficiente para bancar uma temporada com orçamento de 400 milhões de euros para voltar a marcar presença na ponta do grid. Último dos garagistas raiz ainda no automobilismo, Frank Williams vê sua amada equipe ruir lentamente, sem ter muito o que fazer. É, numa breve comparação, um Eric Clapton que não pode mais tocar guitarra ou um Zanardi que não pode mais guiar um monoposto sem adaptação: tem talento de sobra para mudar o rumo, sem poder realmente mostrar aos demais como é que se faz a banda tocar. Uma eventual saída da Williams em 2020 ou 2021 será extremamente dolorosa na Fórmula 1.

Desta vez, nenhuma montadora pensa em absorver o espólio, como a Honda fez com a BAR e como a Mercedes fez com a BrawnGP, todas estas parentes da Tyrrell, que jaz em paz.

Um grande abraço a todos!

Por Carlo Zanovello (@NoVacuo)

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Jornalista. Abril, UOL, Yahoo, Estadão, Correio Paulistano.
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